O encontro promovido pelo projeto De Olho na CFEM reuniu representantes de comunidades impactadas pela mineração, organizações sociais e especialistas em Brasília (DF) nos dias 26 e 27 de agosto de 2024.
O objetivo do encontro foi debater o uso dos recursos provenientes da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). O projeto “De olho na CFEM” é uma iniciativa do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, Inesc, e Grupo de pesquisa Poemas. E em parceria Laboratório de Contas Regionais da Amazônia (Lacam) e a Justiça nos Trilhos, monitora a CFEM nos cofres públicos de 13 municípios mineradores, fornecendo ferramentas para que as próprias comunidades possam acompanhar e fiscalizar o uso desses recursos em suas cidades.
Monitoramento da CFEM: avanços e desafios do De Olho na CFEM
Na primeira mesa do primeiro dia do encontro, os pesquisadores do projeto De Olho na CFEM (Jéssica Costa, Larissa Alves, Felipe Ferreira e Elly Murielly) apresentaram os principais avanços e desafios ao longo dos quatro anos de existência da iniciativa. Eles também abordaram o contexto que antecedeu o projeto, como a oficina realizada pelo INESC em parceria com a Faculdade de Economia da Unifesspa, em 2019, cujo objetivo era investigar como os recursos da CFEM estavam sendo utilizados nos municípios de Parauapebas, Canaã dos Carajás e Marabá.
Em seguida, foram destacados os principais produtos do De Olho na CFEM, como as Notas Técnicas de Orçamento e Transparência referentes aos 13 municípios analisados, as cartilhas com uma linguagem mais acessível ao público, e o conteúdo produzido pela equipe de comunicação nas redes sociais do Comitê.
Foram apresentados, também, os resultados das últimas Notas Técnicas elaboradas pelo projeto, cujas principais conclusões foram:
1. Falta de transparência e limitações no acesso a dados relacionados à CFEM;
2. Concentração dos recursos da CFEM em despesas com pavimentação, manutenção e abertura de estradas e vias, tanto urbanas quanto rurais.
Os principais avanços do projeto incluem:
- Coleta de informações orçamentárias que não estão disponíveis de forma consolidada nos portais de transparência;
- Expansão do número de municípios pesquisados;
- Consolidação da metodologia aplicada;
- Desenvolvimento de um site próprio para o projeto “De Olho na CFEM”, com o objetivo de divulgar dados sobre arrecadação, distribuição e aplicação dos royalties (em andamento).
Entre os principais desafios enfrentados, destacam-se:
- Não cumprimento da Lei nº 13.540/2017, que orienta a destinação de pelo menos 20% dos recursos para a diversificação econômica, podendo reduzir a minerodependência; e determina a total transparência nas despesas com a fonte CFEM, o que não vem ocorrendo.
- Falta de transparência por parte das prefeituras e da ANM, tanto na qualidade quanto na acessibilidade dos dados, além do não cumprimento da LAI (Lei de Acesso à Informação);
- Dificuldade em influenciar os orçamentos municipais e federal;
- Mudanças frequentes nas legislações;
- E, principalmente, a necessidade de conscientizar a sociedade como um todo de que a CFEM não é uma compensação por impactos ambientais, mas sim uma contraprestação paga pelas mineradoras à União, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e regulado pela Lei nº 13.540/2017.
Roda de conversa sobre as experiências locais de monitoramento e acompanhamento dos royalties
A segunda mesa, coordenada pelo professor da Unifesspa e economista, Giliad Silva, destacou que embora a CFEM tenha o potencial de melhorar significativamente a vida nas regiões mineradas, esses recursos são frequentemente mal utilizados ou desviados para finalidades que não beneficiam diretamente a população local.
Giliad trouxe à tona a realidade de municípios como Marabá (PA), que, apesar de ser um dos maiores arrecadadores de CFEM no Brasil, enfrenta sérios problemas de infraestrutura, saúde e educação.
Moradores e representantes compartilharam suas histórias, como Polianne Soares, militante do Movimento Sem-Terra (MST) e moradora de Marabá (PA), que destacou as contradições vividas pela cidade, que sofre com a precariedade em serviços básicos, enquanto trilhos da mineradora cortam a região sem gerar melhorias locais significativas.
“As pessoas não têm consciência que Marabá é um município minerador, não têm consciência que é o terceiro município em 2023 que mais arrecadou com a CFEM, que é o maior produtor de cobre, mas é um dos piores em saneamento no Brasil e que saúde precária e altos índices de violência contra as mulheres. Embora os trilhos da Vale passem dentro desses bairros, eles não têm acesso a esse recurso, não têm escola nem saneamento.” Apontou Soares.
Diante dos graves impactos socioambientais causados pela mineração em terras indígenas e a falta de comunicação clara por parte dos municípios e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) sobre os recursos da CFEM, Takak Xikrin, representante do povo Xikrin, do Pará, demonstrou se sentir enganado sobre a compensação financeira.
“Nós fomos enganados pelos nossos governadores, advogados e principalmente pela Funai, por não esclarecer o que é esse recurso e os impactos que a exploração mineral causaria. O rio foi contaminado, a contaminação foi provada, estamos tendo esse conhecimento agora, dado aos jovens que estão buscando se manifestar contra as leis que afetam os direitos dos povos indígenas.” indigna-se Takak Xikrin.
Experiência em Itapecuru-Mirim (MA) Caminhos e desafios na criação da Lei municipal (Nº 1601/2023) que regulamenta a CFEM
A Justiça nos Trilhos apresentou o processo de articulação no Estado do Maranhão, iniciado com a criação do projeto De Olho na CFEM, com o apoio do Inesc. Foram destacadas as ações realizadas nos territórios, especialmente em Itapecuru-Mirim, município que conquistou a aprovação da primeira lei municipal do Brasil que garante a participação direta das comunidades afetadas pela mineração na gestão do dinheiro arrecadado pela Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). (Leia mais aqui)
Larissa Santos, Coordenadora Política da Justiça nos Trilhos, junto com Luís Carlos Oliveira Ferreira, de Santa Rosa dos Pretos, e Joércio Pires da Silva da União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru-Mirim – MA (UNICQUITA) foram responsáveis pela apresentação e pela discussão detalhada de todo o processo e compartilharam o processo de mobilização que resultou na criação dessa lei, ressaltando o papel crucial da articulação comunitária na garantia dos direitos das populações atingidas.
O município Itapecuru-Mirim (MA) é um exemplo positivo de como o projeto auxiliou a população local a se mobilizar aprovar em 2023 a primeira lei municipal no Brasil, que destina 50% dos recursos da CFEM diretamente para as comunidades impactadas pela mineração
Desafios de incidência no orçamento de municípios que arrecadam CFEM. Como incidir no orçamento municipal?
Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc, coordenou a mesa, cujo objetivo foi discutir sobre como fazer incidência no orçamento público municipal para garantir a alocação adequada desses valores.
A Cartilha “Influenciando o destino da CFEM no orçamento municipal”, produzida pelo De Olho na Cfem foi lançada e distribuída aos participantes no Encontro.
A cartilha surge como instrumento informativo para a construção de caminhos para influenciar os rumos do “royalty” da mineração nos orçamentos dos municípios que recebem o recurso. Ela é parte do projeto De Olho na CFEM.
O material está dividido em quatro partes, que dialogam desde a relação entre a CFEM e a garantia dos direitos humanos até a construção dos caminhos para que os recursos sejam destinados a políticas e iniciativas que favoreçam os grupos e comunidades mais impactados pela mineração.
“Esses recursos deveriam ir não preferencial, mas obrigatoriamente para um fundo de reparação, ou um fundo de mitigação ou de diversificação. Enquanto a gente não tem uma lei nacional que estabeleça essa obrigatoriedade, a gente vai ter, e é o que a gente estamos fazendo com muita beleza e potência, a luta para garantia dos direitos”
Alessandra Cardoso
Mobilização Social pelo monitoramento do uso da CFEM
O projeto “De Olho na CFEM” apresenta ferramentas de monitoramento desenvolvidas para serem usadas pelas próprias comunidades locais, dessa forma, visa assegurar que o dinheiro arrecadado seja utilizado de forma justa e em benefício das populações mais impactadas pela atividade mineradora.
Acompanha desde 2020 a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Este royalty é regulado pela Lei Federal nº 13.540 de 2017 e se trata de uma contraprestação paga pelas mineradoras pela exploração de recursos minerais, que são bens pertencentes à União.
As informações divulgadas pelo De Olho na CFEM resultam de uma metodologia desenvolvida por pesquisadores vinculados a diversas universidades públicas e organizações sociais, sob a iniciativa do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração e do Grupo de pesquisa e extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS)
O projeto reúne informações específicas de treze municípios que recebem CFEM por ser minerados ou afetados por infraestrutura da mineração: Canaã dos Carajás (PA), Parauapebas (PA), Marabá (PA), Açailândia (MA), Itapecuru-Mirim (MA), Alto Alegre do Pindaré (MA), Alto Horizonte (GO), Catalão (GO), Ouvidor (GO), Itabira (MG), Congonhas (MG), Conceição do Mato Dentro (MG) e Candiota (RS).
As informações são coletadas em diversas bases de dados públicas, como a Agência Nacional de Mineração, Portais de Transparência Municipais e o Portal de Transparência Federal.
Tira dúvidas Oficina para tirar dúvidas sobre metodologia do De olho na CFEM
Toda metodologia foi amplamente disponibilizada, para que não apenas os municípios acompanhados pelo projeto pudessem ser monitorados, mas para que coletivos e movimentos sociais pudessem acompanhar também a aplicação da CFEM nos seus municípios. E um dos pontos mais altos do Encontro foi a oficina Tira Dúvidas.
O segundo dia do encontro iniciou com a oficina dedicada a responder dúvidas sobre a metodologia do monitoramento da CFEM. Facilitada por Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e Jéssica Costa, pesquisadora, a oficina foi um momento para capacitar as comunidades a usarem ferramentas e entenderem como se dá o fluxo desses recursos.
Projeto “De Olho na CFEM”
O encontro encerrou com uma plenária conduzida por Bruno Milanez e Jéssica Costa, onde foram discutidos os próximos passos para fortalecer a mobilização social em torno da CFEM. Além disso, foi reforçada a importância de continuar expandindo o projeto “De Olho na CFEM” para outras regiões mineradas do Brasil, garantindo que mais municípios tenham acesso a ferramentas de monitoramento e possam participar ativamente da gestão dos recursos da mineração.
Raiara Pires, secretária executiva do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração conduziu as conversas com represetantes do Congresso Nacional, que trouxeram um pouco sobre a Legislação e ouviram as demandas dos participantes.
O assessor do Deputado Padre João – PT-MG, Andrey Macedo esteve no evento disposto a ouvir as demandas dos municípios mineiros e colocou o mandato à disposição de todos.
Telton Correia, assessor especial da Liderança do PT na Câmara já foi Diretor-Geral do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e trouxe pontos importantes sobre a CFEM e a ANM – Agência Nacional de Mineração.
Lançamento do Site
Durante o evento foi lançado o site “De Olho na CFEM”, uma plataforma que disponibiliza dados e informações detalhadas sobre a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), valor pago pelas mineradoras ao Estado pela exploração de recursos minerais. O site oferece cartilhas, notas técnicas, notícias, vídeos e outros materiais informativos, com o objetivo de fortalecer a capacidade de movimentos sociais, comunidades, escolas e toda a sociedade local para que possam exigir o uso adequado dos recursos da CFEM, garantindo direitos no presente e no futuro.
Ananda Ridart é cientista política, jornalista e amazônida, com atuação em temas relacionados à meio ambiente, direitos humanos e ciência de dados.
Kátia Visentainer é jornalista e coordena a comunicação do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração.